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Conheça um pouco sobre a ESCOLA POPULAR DO DIREITO CONSTITUCIONAL no Coque - Recife /PE

Pela visão do Fórum do Consumidor


Poucas pessoas têm tantas histórias para contar como a René Patriota, da ADUSEPS, nossa associada que defende os usuários dos planos de saúde em Recife, Pernambuco. Em 2006, a Associação comemorou dez anos de fundação e a marca de nada menos do que 1.000 ações em favor das pessoas que se sentem lesadas por alguns das centenas de planos existentes em todo Brasil. Um grande baile foi realizado para comemorar o aniversário da entidade, cuja história se mistura em muito com a da médica que a fundou.

A ADUSEPS nasceu num momento de indignação de algumas pessoas que acompanharam o sofrimento de Angélica. Portadora de câncer de mama, ela teve que vender rifas e pedágios para angariar fundos para o tratamento caro, que o plano de saúde se negava a cobrir. A luta foi grande contra a doença, mas ainda maior foi a luta travada por sua médica ginecologista e obstetra René que, incorformada com o atendimento que Angélica tinha, resolveu questionar o contrato com o plano de saúde - que era de uma categoria especial – e deveria arcar com os custos do tratamento. “O contrato de cobertura de saúde deve cobrir todo tipo de doença, pois a pessoa não pode escolher que tipo de doença vai ter um dia”, pondera René. A luta de Angélica foi vencida pela doença, mas René conseguiu que ela tivesse o tratamento justo, um conforto na hora em que mais precisava.

E foi na missa de sétimo dia de Angélica que seus amigos saíram direto para o Sindicato dos Médicos e fundaram a Associação. Angélica, in memorian, tornou-se a sócia número 1 e René, a número 2. Era abril de 1996 e, em junho do mesmo ano, a ADUSEPS foi oficialmente aberta. A primeira ação da recém-fundada associação foi impetrada para garantir a cirurgia em um hospital conveniado ao plano de saúde de Elizete que tinha sofrido um aneurisma cerebral. Fazia 30 dias que ela estava internada e a cada dia perdia 5% de chance de sobreviver. O hospital não tinha condições de realizar a cirurgia e René teve que entrar na Justiça para que ela fosse transferida para um hospital particular. Ela conseguiu uma liminar e a conseqüente transferência de Elizete, e viu estupefada que a cirurgia estava sendo protelada enquanto o hospital tentava derrubar a liminar. Indignada, René apelou para a imprensa, denunciando o fato. Uma ordem judicial reverteu a liminar e Elizete voltou para o hospital público, que tinha outro paciente também com aneurisma e que não tinha vaga, fato que René fez chegar ao conhecimento do juiz. “Era como se estivesse com uma metralhadora na mão, atirando para todos os lados”, relembra René. Enfim Elizete acabou sendo operada. A cirurgia foi um sucesso. Recuperou-se por um mês para operar o outro lado do cérebro, que também foi um sucesso. Foi a primeira paciente quando da inauguração da UTI Especial do hospital. Final feliz? Não, infelizmente. “Elizete acabou morrendo por falta de cuidados pós-operatórios”, conta René. “Ponha uma pedra nesse assunto”, ponderaria o chefe do Serviço de UTI à René que, com certeza, não a conhecia. O processo judicial corre até hoje.

A entidade funcionou até meados de 97 no Sindicato dos Médicos. Um ano depois René chegou a pensar em fechar a associação. “Só nos procuravam na hora em que estavam com problemas”, conta. Ela chegou a convocar uma assembléia no salão paroquial com o objetivo de acabar com a entidade. “Compareceram mais de 200 pessoas. Não me deixaram fechar”, diz. De lá para cá, a entidade cresceu, hoje tem 5.000 sócios que contribuem com uma taxa de R$ 15,00. Quando alguém quer entrar com uma ação, não sendo sócio, paga uma jóia de R$ 1.000,00. Já os usuários dos SUS pagam simbólicos R$ 1,00 por mês. “Só paga quem pode pagar”, explica a médica.

Trabalham atualmente na associação 35 pessoas, entre profissionais e estagiários. A entidade cresceu a ponto de criar um prêmio, o da Mulher Aduseps. Em 2006, ganharam Vilma Melo, pelo trabalho sobre direitos humanos nas prisões; e Socorro Cantanhedo, pela atuação na área do meio ambiente. Durante três anos, ambas receberão R$ 500,00 mensais como estímulo para continuar o trabalho que fazem.

Se, por um lado, a René Patriota ganhou notoriedade pelo trabalho que faz, por outro, praticamente inviabilizou sua carreira de médica/obstetra como uma profissional liberal. Do consultório que antes atendia dezenas de convênios, reduziu os atendimentos exclusivamente a pacientes do Sistema Único de Saúde. Incompatível brigar com todos eles e ao mesmo tempo ser uma de suas conveniadas. Por mais fama de “briguenta” que tenha, no entanto, não há uma só pessoa que diga que está errada. “Todos admitem que a briga é nobre”, orgulha-se.

Talvez René seja tão briguenta porque tem uma postura de empatia extremamente aguçada. Para defender uma pequena paciente portadora de leucemia, que havia desenvolvido uma pneumonia, orientou que se fizesse uma ação no juizado de pequenas causas, para que o plano cobrisse o tratamento. O juiz determinou que a paciente ficasse internada. “Por que a senhora está fazendo isso por mim? perguntou-lhe a criança. “Porque você tem direito”, respondeu René. Não conseguindo resolver a questão, a médica levou a paciente ao escritório do advogado do plano de saúde em questão. Queria que o advogado visse com os próprios olhos com quem ele estava brigando. Conseguiu sensibilizá-lo a ponto de ele próprio dar sugestões de como ela deveria fazer para garantir o tratamento. Vitória, teve todo o tratamento custeado pelo plano.

Das mais de mil ações que deflagrou, destaque para as Ações Civis Públicas, como a que conseguiu contra a ANS em propaganda que Draúzio Varella defendia a migração para mudança de plano de saúde. As histórias de René renderiam um livro, com certeza. Como a da paciente, cujo marido estava preso por ser assaltante de banco. Não contente em atender apenas à gestante, René resolveu ir até o presídio para conhecer também o pai da criança. Foi antes à enfermaria do presídio, viu os presos doentes, com tuberculose, pneumonia. Resolveu ajudar, passou a fazer visitas periodicamente, conseguia cirurgias para os presos necessitados. Os amigos, médicos cirurgiões, faziam o trabalho de graça. Ficou conhecida como a “mulher do Pai Nosso”, porque em cada unidade que adentrava no interior do presídio convidava as pessoas a rezarem um “Pai Nosso”.

Foi durante uma dessas visitas no presídio que René recebeu a triste notícia de que uma de suas filhas estava com Lupus, uma doença de difícil cura. Porém, naquele lugar em que via tanto sofrimento, em vez de entrar em desespero, pensou nos presos, comparou a situação e encontrou neles um apoio humano. Todos quiseram rezar pela saúde de sua filha. De cela em cela, René viu o momento de reflexão que tomara conta. A filha até hoje, com 19 anos, convive com a doença e os presos sempre se lembram de perguntar como vai a saúde de sua filha.

“E toda vez que entro no presídio saio com uma ação, uma denúncia”, revela. Chegou a um ponto em que o diretor do presídio quis proibí-la de entrar. Mas, sempre que pode, lá está ela. É outra causa que ninguém critica, também pelo caráter nobre que representa. “Quando o filho de alguém importante é preso, sempre lembram de mim, pedindo que eu vá até lá para ver se está tudo bem”, fala. No presídio, ele encontrou tempo ainda para o projeto “Presarte – Largue o crime e se prenda à arte”; enfrentou ainda um preso que a desafiou, afirmando que não teria coragem de tratá-lo, de ver o estado de sua ferida. Mas essas são outras histórias que terão que ficar para o livro que um dia ela ainda vai editar.